Excelentíssimo Senador Cristovam Buarque – Presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal; ilustre Senador Hélio José – Vice-Presidente da mesma Comissão; membros desta mesa de abertura “Por que um seminário sobre as lições da experiência mundial com usinas nucleares para produzir eletricidade”; Senhoras e Senhores participantes deste Seminário Internacional “Usinas nucleares – Lições da experiência mundial”.
Agradeço a oportunidade de integrar esta mesa de abertura e começo minhas palavras centrando no tema aqui previsto: quais são as lições da experiência mundial com usinas nucleares para a produção de energia elétrica? Mas vou além: quais são os riscos envolvidos nessa atividade? Será que o Brasil, por suas características naturais, precisa mesmo investir nessa fonte de energia polêmica e cheia de riscos?
Começando pelas lições da experiência mundial que temos de aprender sobre essa matéria, relembro que, ao visitar o Brasil em 1953, o físico Robert Oppenheimer, responsável pela construção da primeira bomba atômica, afirmou, com todas as letras: “Quem disser que existe uma energia atômica para a paz e outra para a guerra, está mentindo”. Hoje sabemos que, mesmo quando convive em paz, o que é raro, a humanidade vive uma guerra cotidiana para se precaver dos riscos da energia nuclear, para si e para os demais seres vivos, para esta e para as inúmeras próximas gerações.
Creio que a mais recente catástrofe nuclear, a de Fukushima, ocorrida há quatro anos em território japonês, talvez tenha sido mais um grande exemplo, mais um eloquente aviso desses riscos para o mundo, contribuindo efetivamente para o incremento da desconfiança em relação à indústria nuclear e aumentando a rejeição da opinião pública global ao uso dessa energia. Ao longo deste seminário, teremos depoimentos de pessoas que se envolveram diretamente com acidentes nucleares, suas vítimas e custos, e conhecem de perto os riscos dessa atividade.
O certo é que, após o acidente de Fukushima, vários países entenderam esse alarme e anunciaram o cancelamento de seus programas nucleoelétricos. Passado o período de comoção, contudo, alguns deles retomaram seus investimentos no setor. Mas pesquisas de opinião pública realizadas em países que têm usinas nucleares, incluindo o nosso, indicaram que quase 70% dos entrevistados rejeitam a construção de novas usinas. No Brasil, o índice foi ainda maior: quase 80% dos entrevistados disseram se opor à construção dessas usinas.
O caso de nosso País tem outra peculiaridade: a usina de Angra 3, que deverá ficar pronta por volta de 2018, teve seu projeto de construção elaborado nos anos 70, antes dos três maiores e mais conhecidos acidentes mundiais ocorridos com usinas nucleares: em Three Miles Island, nos Estados Unidos, em 1979; em Chernobyl, na então União Soviética, em 1986; e o já citado em Fukushima, no Japão, em 2011, após terremoto seguido de tsunami. Os equipamentos que estão sendo montados na usina de Angra 3 foram comprados no início dos anos 80 e ficaram encaixotados durante três décadas. Além de poderem estar obsoletos, os materiais e até o aço neles usados podem já não apresentar a mesma resistência.
Adicionalmente, em tempos de mudanças climáticas, a usina nuclear é uma falsa solução para evitar o aquecimento global. É que, como os reatores não emitem gás carbônico, o principal dos gases de efeito estufa, os defensores dessa energia tentam convencer a sociedade de que ela é limpa e segura. Mas ela não é limpa, pois o ciclo de produção de seu combustível – que começa com a mineração do urânio e termina no descomissionamento das instalações – apresenta importantes emissões de gases de efeito estufa. E, obviamente, ela tampouco é segura, em vista dos graves acidentes já registrados em vários países.
A questão dos rejeitos nucleares é ainda pior, uma vez que não há lugar apropriado para confiná-los em nenhuma parte do mundo. Nenhum país conseguiu até hoje equacionar definitivamente o problema da destinação dos resíduos perigosos, altamente radioativos, produzidos pelas reações nucleares, acumulando-os, em geral, nas próprias usinas, como em Angra 1 e 2. Esses resíduos continuam ativos por milhares de anos, criando também um problema ético, pois a geração presente se beneficia dos serviços prestados pela eletricidade, mas acaba legando às gerações futuras os resíduos radioativos.
A esse respeito, já se pensa num projeto multinacional de armazenamento de rejeitos, indicando-se até mesmo prováveis locais de depósito em países como Argentina, África do Sul, China e Austrália. Tecnicamente, talvez fosse essa a melhor opção – ou a menos pior delas –, pois permitiria acondicionar os resíduos em cápsulas de cobre, que assegurariam certa proteção ao longo de muitos séculos. Todavia, o famoso adágio not in my backyard (não no meu quintal) torna essa solução politicamente complexa, impelindo os países com rejeitos nucleares a buscarem soluções individuais.
Alguns exemplos ilustram esse problema. Nos Estados Unidos, o depósito que começou a ser instalado em Yucca Mountain foi abandonado, sendo ainda necessário remover os rejeitos radioativos depositados em Savannah River Site, que passarão a ficar em tanques subterrâneos. Na Rússia, o governo está construindo, em São Petersburgo, um reator nuclear flutuante, que deverá funcionar em 2016. Na Alemanha, em Brunswick, o problema é com centenas de toneladas de rejeitos radioativos depositados nas décadas de 1960 e 70 numa antiga mina de sal, que agora geram, a cada semana, centenas de litros de salmoura contaminada. A Finlândia pretende construir um depósito no fundo das rochas, alternativa que a Suécia também deve seguir.
No total, fala-se em 65 mil toneladas de rejeitos de usinas nucleares apenas norte-americanas, acrescidas anualmente de duas mil toneladas, que são levadas para depósitos temporários. No mundo, são 350 mil toneladas no total, além de mais doze mil toneladas por ano de rejeitos radioativos, todos sem solução definitiva. Mesmo que fechássemos hoje as usinas nucleares, já teríamos toneladas de rejeitos radioativos para administrar, por pelo menos um século.
No Brasil, esses rejeitos radioativos são acumulados temporariamente, em Angra, nas chamadas piscinas, nas quais eles têm de ser mantidos permanentemente refrigerados, dentro dos edifícios dos reatores, para não explodirem. Posteriormente, o descomissionamento de todas essas instalações já será uma tarefa hercúlea e caríssima. Mas não são só elas. Restará ainda o fechamento seguro das minas, com todos os seus impactos ambientais e à saúde humana.
Convém lembrar que a única mina atualmente em operação no Brasil é a de Caetité, mas a extração vem enfrentando frequentes denúncias de contaminação ambiental. Tais denúncias incluem transbordamentos de barragens, com a consequente contaminação dos mananciais hídricos subterrâneos, além do aumento dos casos de câncer na população diretamente envolvida, denúncias estas que vêm sendo investigadas. Há dois meses, pela primeira vez em quinze anos de atividade no semiárido baiano, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) admitiram a contaminação da água de um poço local.
Há que lembrar que a geração nucleoelétrica é uma tecnologia complexa e cara, e que fica ainda mais cara e deixa de ser competitiva em relação a outras fontes de energia devido aos gastos para melhorar o desempenho e a segurança das usinas. De modo geral, somente empresas estatais, ou empresas privadas com fortes subsídios governamentais, constroem reatores nucleares. Aí está uma das principais dificuldades para essa indústria, que depende sobremodo de altos investimentos vindos dos cofres públicos.
E o custo para o encerramento adequado das atividades das usinas antigas é ainda mais alto, o que torna irracional, mesmo em termos financeiros, o investimento nesse tipo de energia. A energia nuclear representa menos de 3% da oferta de energia elétrica no País. Se investirmos em eficiência energética, é perfeitamente possível dar fim a essa produção, sem ônus para o contribuinte e para a geração de energia.
Além disso, não há transparência ou participação popular no acesso às informações sobre o ciclo da energia nuclear. Sob o falso argumento do segredo militar, alimenta-se a desinformação da população sobre um assunto que, na prática, diz respeito à sua vida e à segurança de todos. Os acidentes nucleares de Three Miles Island, Chernobyl e Fukushima revelam que as normas nacionais e internacionais de segurança não são cumpridas.
No caso brasileiro, essa questão é ainda mais grave, uma vez que não há separação entre planejamento, regulamentação, supervisão, fiscalização, operação e fomento à atividade nuclear. Não há uma agência reguladora independente para estabelecer os requisitos nacionais de segurança nessa área. Falta transparência ao Programa Nuclear Brasileiro.
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) é o órgão governamental que regulamenta, licencia e fiscaliza os usos da energia nuclear no País e, ao mesmo tempo, atua em atividades de fomento, pesquisa e aplicação da tecnologia nuclear, além de ter sob seu controle instituições voltadas diretamente para atividades industriais. Observa-se, assim, que o seu leque de atribuições é diverso e conflitante, visto que a ela cabe licenciar e fiscalizar atividades que ela mesma desempenha, fato que pode levar a situações de leniência ou de tensões internas.
Talvez o pior acidente radiológico do mundo – o do césio-137, em Goiânia, em 1987 – pudesse ter sido evitado ou, pelo menos, ter seus efeitos deletérios amenizados, caso essa agência reguladora existisse e cumprisse a contento o seu papel. Esse acidente fez centenas de vítimas, mas as autoridades só assumiram quatro mortes, ocorridas pouco depois do evento, que começou quando dois jovens catadores de materiais recicláveis abriram um aparelho de radioterapia em um prédio público abandonado, no centro da cidade, pensando em retirar chumbo para vender e ignorando que dentro do equipamento havia uma cápsula contendo césio-137.
No âmbito radioativo, esse acidente só não foi maior que o registrado na usina nuclear de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia. Cerca de seis mil toneladas de lixo radioativo foram recolhidas na capital goiana e levadas para Abadia de Goiás, onde permanecem até os dias atuais. Passadas quase três décadas, os resíduos já perderam metade da radiação, mas o risco só deve desaparecer completamente em quase 300 anos.
Logo após o acidente de Fukushima, em 2011, em discurso proferido aqui mesmo no Congresso, lembrei que havia sido criado, quatro anos antes, no âmbito da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, um grupo de trabalho para discutir a fiscalização e a segurança nuclear.
O relatório desse grupo de trabalho, elaborado pelo então deputado Edson Duarte, do Partido Verde da Bahia, revelou, entre tantas irregularidades, que o sistema de segurança era totalmente falho, que o Estado não tinha controle das 50 mil fontes radioativas e que a fiscalização era feita por quem produz o fato — ou seja, era a CNEN fiscalizando o que a CNEN dizia que tinha de ser feito —, em desacordo com o art. 8º da Convenção de Segurança Nuclear, numa ação comparável apenas à do Paquistão e à do Irã. Portanto, só no Brasil, no Paquistão e no Irã o órgão que elabora e executa as políticas faz a sua própria fiscalização.
Esse mesmo relatório apontou que o plano de emergência elaborado para Angra dos Reis era deficiente, pois restringia a evacuação a um raio de cinco quilômetros. Havendo um acidente, quem estivesse fora dessa área restrita não seria removido. Considere-se que, em Fukushima, a área de segurança inicialmente prevista era de dez quilômetros, mas depois foi bastante ampliada, sendo detectados níveis elevados de contaminação radioativa até centenas de quilômetros da usina. Mesmo que nosso caso seja diferente do japonês, por não estarmos situados, como o país asiático, numa das regiões tectonicamente mais ativas do globo – o Círculo de Fogo do Pacífico –, o Brasil apresenta características que causam preocupação.
As usinas de Angra 1, 2 e 3 estão situadas numa região da Baía de Itaorna, que quer dizer pedra podre, pedra precária, em tupi-guarani. A região está cercada de montanhas onde, desde o século XIX, há ocorrências de deslizamentos. Portanto, a região está suscetível a um tsunami de terra, que pode inviabilizar a possibilidade de evacuação de pessoas se houver um acidente, ou uma tragédia maior ainda. Embora seja improvável, não é impossível um deslizamento para dentro do sítio e das usinas.
Se, por uma fatalidade que ninguém deseja, coincidisse um acidente nuclear em Angra com as chuvas mais intensas de verão, das quais decorresse um deslizamento ao longo da rodovia BR-101 – ou se o próprio deslizamento na serra do Mar provocasse esse acidente nuclear e, simultaneamente, obstruísse o principal acesso ao local –, Angra se tornaria um alçapão atômico. Aí, tanto faria que a evacuação fosse delimitada em cinco ou em cinquenta quilômetros, todos estariam presos nessa armadilha.
Posteriormente, as nuvens radioativas poderiam se espalhar em qualquer direção, atingindo facilmente várias cidades, entre as quais São Paulo (220 km de distância), Rio de Janeiro (130 km) ou até mesmo Belo Horizonte (350 km), três das mais populosas capitais do País, tendo o município de Angra dos Reis sido escolhido para a construção das usinas exatamente por essa proximidade, para reduzir as perdas na transmissão de energia.
Juntamente com a Frente Parlamentar Ambientalista, que tenho a honra de coordenar, faço uma defesa radical do uso das fontes renováveis de energia e denuncio a pouca importância, e mesmo o desprezo, com que o assunto vem sendo tratado no País. Além das fronteiras nacionais, por exemplo, o Brasil se recusa a participar de organismos internacionais que promovem as fontes de energia renováveis, em particular a solar e a eólica, fontes essas abundantes, bem distribuídas, gratuitas, inesgotáveis, com potencial enorme de crescimento neste nosso País de contrastes.
O Brasil, pela exuberância e diversidade de fontes energéticas renováveis disponíveis em seu território, não precisa da energia nuclear para atender à sua demanda de energia elétrica e, assim, pode adotar opções mais atraentes do ponto de vista econômico, social e ambiental. Nosso País é bem ensolarado, possui fortes ventos, água suficiente – a não ser em épocas de crise – e grandes áreas agrícolas para a produção de biomassa, podendo utilizá-los para seu desenvolvimento, melhorando a qualidade de vida de sua população e respeitando o meio ambiente.
Então, por que o Brasil não investe o suficiente em energias renováveis, mas opta pela energia nuclear, pelos combustíveis fósseis e pelas mega-hidrelétricas na região Amazônica? Por que o Brasil investe tão pouco na descentralização da produção e do uso de energia, na diminuição do desperdício e da emissão de gases que provocam o aquecimento global e as mudanças climáticas?
Historicamente, mundo afora, Senhoras e Senhores participantes deste seminário, os partidos verdes, assim como boa parte da sociedade mundial, sempre nos posicionamos pelo uso de fontes de energias seguras, baratas, modernas, que causem o menor impacto ambiental possível e apresentem menores riscos ao meio ambiente e à saúde humana. Por isso, sempre fomos contra o uso da energia nuclear. Não há nenhuma razão para mudarmos nosso posicionamento.
Tenhamos todos um ótimo seminário.
Muito obrigado!